Quem se importa

O Brasil tem hoje mais de 750 mil pessoas encarceradas, uma superpopulação carcerária sobre um regime punitivo que gera um resultado caótico. 35% desta massa carcerária é composta de presos provisórios – que nem foram julgados. 

O último Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), do governo, é de junho de 2016 – uma defasagem de quase três anos. Havia, na época, 689,5 mil presos no sistema penitenciário (e outros 37 mil em delegacias). 

Dos mais de 750 mil presos no Brasil, 42 mil são mulheres. O perfil dessas mulheres detidas é de, jovens (45%), negras (65%), solteiras (86%) e com ensino fundamental incompleto (58%), coincide com o grupo mais vulnerável do mercado de trabalho … 

Em que contexto foram presas estas mulheres? 62% por tráfico e deste percentual nem 42% foram julgadas. 

A população carceraria feminina cresceu 698% no Brasil em 16 anos, segundo dados mais recentes do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão do Ministério da Justiça. No ano 2000, havia 5.601 mulheres cumprindo medidas de privação de liberdade. Em 2016, o número saltou para 44.721. Apenas em dois anos, entre dezembro de 2014 e dezembro de 2016, houve aumento de 19,6% subindo de 37.380 para 44.721. 

Este aumento significativo da população carcerária feminina nos últimos anos, tal realidade, denuncia um problema social grave do país. A maior parte das mulheres presas são negras, jovens e de baixa renda. 

Os números revelam um fenômeno expressivo e demonstram uma das causas para que o mesmo aconteça.  63% de todas as mulheres presas no Brasil, são detidas por causa do tráfico de drogas. 

“Em cada três mulheres presas, duas foram por tráfico. Eles são dos mais variados níveis, mas, em geral, o pequeno tráfico. A mulher ocupa a hierarquia mais baixa. Embora algumas cheguem no patamar intermediário, a chefia, o comando todo, é dos homens. O que nós temos na penitenciária feminina é um grande número de pequenas traficantes. Isso porque elas estão na rua, elas estão no tráfico de formiga, esse que sai, pega a droga daqui e leva para lá, vende. Elas são mais visíveis. Portanto, são elas quem arcam com a repressão mais frequente”, afirma Drauzio Varella, médico que trabalha há 11 anos em presídios femininos.

Um dos fatores que contribuíram para a composição de tal conjuntura foi o endurecimento da lei de drogas, cuja mudança ocorreu em outubro de 2006. 

Atualmente os grupos tanto feminino quanto masculino formam o maior contingente nas penitenciárias do país, acusados ou condenados por crimes relacionados ao narcotráfico. 

Assim, o tráfico de drogas é o crime que mais resulta em prisão no Brasil, e 62% da população carcerária é constituída por negros, segundo estatística do Ministério da Justiça. 

De acordo com levantamentos do Departamento de Inquéritos Policiais e Corregedoria da Polícia Judiciária e do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), mais de 67,7% dos encarcerados por tráfico de maconha nas prisões do País foram flagrados com posse de menos de 100 gramas da droga, sendo 14% deles com quantidade inferior a 10 gramas – algo em torno de dez cigarros. Aliado aos dados dos encarcerados também por tráfico de cocaína – 77,6% com menos de 100 gramas –, 62,17% dos traficantes presos no País exerciam atividade remunerada na ocasião do flagrante, 94,3% não pertenciam a organizações criminosas e 97% nem sequer portava algum tipo de arma. Ou seja, eram ou microtraficantes ou usuários.

Diante deste contexto, os negros e pobres são considerados traficantes enquanto a porcentagem de jovens brancos liberados para seus pais supostamente encaminha-los a tratamento é maior. 

Para termos ideia, na linha do tempo, em 2006 os considerados traficantes eram 14% dos condenados no sistema prisional (47,5 mil pessoas), em 2012 esse número passou para 25% (132 mil pessoas) – em um período em que a população carcerária praticamente dobrou. Para efeito de comparação, apenas 11% dos encarcerados no País é de condenados por homicídio e sequestro.

Estamos mandando usuários e microtraficantes para a cadeia, não os verdadeiros peixões do tráfico. E isso é uma situação muito séria, porque jogamos esses jovens, 75% deles com idades entre 18 e 29 anos e na maioria negros ou pardos, para uma verdadeira escola do crime, acabando com suas oportunidades futuras”.